MIRANTE - TRÊS DÉCADAS DE INDEPENDÊNCIA
1.982- 2.012
O fim do Grupo Picaré (escritores
santistas dispostos a romper com o academicismo reinante, no início dos anos
80, levando a poesia ao contato direto com o público) e de sua revista, não
significou o cessar das atividades literárias. Ao contrário, ainda pertencendo
ao grupo, eu e Antonio Canuto, poetas líricos assumidos, sentíamos necessidade
de criar uma revista diferente e daí nasceu Mirante. Com uma linha
editorial totalmente caótica, mas ordenada, não tínhamos nem preocupação com
linha editorial a seguir. De forma experimental, feita no formato de folhas de
sulfite A4, a intenção primordial era a de divulgar a literatura, fosse
ela regional ou universal.
E em seu primeiro número (na verdade
o número zero), Mirante nem posava de revista, mas sim como um módulo de divulgação da poesia lírica. Queríamos -
ingênuos, mas autênticos e espontâneos – atingir o sentimento das pessoas e na
capa a versão de música de John Lennon tentava traduzir esta intenção, ao mesmo
tempo em que anunciávamos o retorno do lirismo. Isto num período em que a
repressão militar impunha sua tirania e censura a todo tipo de manifestação
artística.
E com espírito provocativo, Mirante
dizia no início de seu editorial:
“Lirismo? Epa, o que é isso? Alguém
torceu o nariz. Até parece coisa de quem não tem o que fazer. Vai liricar,
vagabundo? Quac! Em plena recessão!!! Pois é, prezado bicho, com a
inflação correndo mais que o carro do Piquet, com toda essa politicagem
jorrando na televisão dos consumistas esquecidos de que são feitos de carne,
osso, coração e alma (isso existe?), eis nós, seres petulantes, querendo
espalhar um pouco de lirismo nesse falatório, não somente político mas em todos
os níveis. Estamos conscientes de nossa santa ingenuidade porém não somos
tolos. Ao contrário, estamos vivos e participantes na vida, no que ela tem de
mais belo, sensível e puro e que não se encontra em nenhum shopping, distantes de toda a ideologia maniqueísta e
castradora. Sendo assim, que pulsem com mais
energias os corações...”
E em suas páginas a Mirante zero
trazia o lirismo poético de Cecília Meireles, Cassiano Ricardo e do poeta
português José Gomes Ferreira. Outro destaque foi a página Seção – Abertura das
Gavetas Reprimidas. Brincando com a chamada “abertura política” (nome que se
deu ao processo de abrandamento da ditadura militar, processo esse iniciado em
1.974 e terminado em 1.985), a revista abria espaço para os inéditos ou
iniciantes. O que acontece até hoje. No entanto nem só de lirismo era feita a
revista. Abria espaço para outras artes como fotografia, ensaios literários e
divulgação de eventos. Tentava de certa forma suprir o vazio deixado pela
revista do grupo Picaré.
A edição seguinte, a de número um, já
se incorporando como um veículo literário, anunciava-se como o novo rebento da literatura. E para demonstrar que não estávamos
de brincadeira, Mirante publicou uma entrevista com Roldão Mendes Rosa, então
professor da Faculdade de Jornalismo daUNISANTOS e crítico literário do jornal A Tribuna. Fernando Pessoa,
Cruz e Souza e Torquato Neto eram divulgados além da reprodução dos primeiros e
excelentes trabalhos de Araken Alcântara, fotógrafo santista, então
praticamente iniciante. A revista prestou homenagem a Esmeraldo Tarquínio,
político santista falecido no mesmo ano em que Mirante foi criada. E de quem me
orgulho de ter desfrutado amizade.
Em sua edição de número dois, o
formato da Mirante muda, torna-se menor para facilitar seu manuseio e apregoava um voo poético. Criada ao sabor do acaso e das circunstâncias, a revista em seu início
contou com colaborações de pessoas fora do meio literário. Como no caso da
professora Irene Gimenez (por onde andará?), na época professora de desenho da
escola municipal Barão de Rio Branco, onde trabalhei como escriturário, que fez
o desenho da capa da edição de número dois. Enfim, aos poucos os
primeiros colaboradores foram surgindo e em sua maioria eram amizades criativas
e talentosas. Eis alguns nomes que deram suporte a esse período da revista:
Sérgio Fabris, artista plástico, atualmente morando em São Paulo, onde mantém
um ateliê na Vila Madalena. DaCosta, na época assinando como Osvaldo, artista
plástico. Roberto Terpilauskas, desenhista de estilo refinado, mas que
apreciava a simplicidade criativa da Mirante. Jô Blanco, Serí, Inês Moretti, Rubens
Prata, Argemiro, Angel Caramez.
Mirante absorveu em suas páginas
todos os poetas que foram do Picaré: Alex Sakai, Denise Gomes Gonsalves,
Edilza de Souza Fernandes, Fausto José, Inês Bari, José Cândido, Orleyd
Faia, Rafael Marques Ferreira, Sidney Sanctus, Vieira Vivo e lógico, até o papa
do grupo, Raul Christiano Sanchez. A partir de 1.997 até 2.007, a revista foi
editada em parceria com Cláudia Brino, na época minha esposa. Com nossa
separação, Mirante voltou às minhas mãos de forma integral. E aconteceu
nela uma transformação radical: mais páginas, tornou-se mais encorpada,
colaboradores permanentes surgiram, entre eles André Azenha, Luciana Almeida,
Carlos Gama, Igor Villa, Marcelo Rayel, entre outros. E um fato extremamente
significativo: passou a contar com dois subeditores: Sidney Sanctus,
responsável pela revisão dos textos e Palavras ao Leitor e Irene Estrela
Bulhões, minha atual esposa, responsável pela diagramação e ilustrações, que
deu à revista um visual mais elaborado e criativo.
Como é missão pra lá de impossível
falar de cada uma das setenta e oito edições da Mirante neste pequeno espaço,
só nos resta acrescentar que desde seu início até agora, ela sempre se
caracterizou pela simplicidade, com um caráter mutante, privilegiando
personagens olvidados pela mídia e dando espaço aos inéditos. E nesta edição de
número 79, totalmente atípica, procuramos através da republicação de textos
desde seu início, com nova roupagem, transmitir uma pequena pincelada do muito
que já foi editado nestes trinta anos de práxis poética.
_____________________________________________________________ Valdir Alvarenga